sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Ballethunter

Há pessoas que viajam para apreciar vinhos. Outras, para conhecer museus. Há ainda aquelas que se aventuram por restaurantes mundo afora. Eu, basicamente, viajo para ver dança.


Cresci vendo 4 ou 5 fitas VHS com gravações de raras transmissões de balés numa TV paga ainda capenga no Brasil. Em um tempo sem YouTube e com mercado de fitas importadas praticamente inexistente, essa era uma das únicas maneiras de 1) conhecer balés de repertório e as principais companhias capazes de montar peças do tipo com propriedade 2) saber quem eram e como dançavam os grandes bailarinos da minha geração (mesmo com uns dez anos de defasagem).

Não faço ideia quantas vezes revi tudo (bem, pelo menos foi o suficiente pra deixar as VHS sem mofo até hoje). A questão é que, junto desse hábito, veio o desejo de ver essas grandes companhias e suas montagens ao vivo, o que, convenhamos, não é nada fácil quando se mora no Brasil - e, no meu caso até bem pouco tempo atrás, quando se está em uma cidade sem palco adequado e fora do circuito de turnês internacionais.

A única saída pra isso estava mesmo... lá fora. Desse modo, logo após começar a trabalhar, passei a organizar minhas férias tendo isso em mente.

Foi assim que acabei celebrando meu aniversário de 24 anos assistindo ao Bolshoi com sua versão mais recente de "O Corsário" na Ópera de Paris (a elegantérrima Maria Alexandrova fazia Gulnara). Também foi assim que vi Zenaida Yanowsky dançar meu amado "Sylvia" no Royal Opera House, numa dobradinha, no dia seguinte, com "O Quebra-Nozes", conferido de pé, por singelas 6 libras, lá do fundão do teatro (o que não atrapalhou em nada de me emocionar com a Fada Açucarada de Roberta Marquez no palco que ela abraçou como lar).

Mesmo estando agora a 2 horas e meia de Buenos Aires, conheci a capital portenha apenas quando o Balé do Teatro Colón resolveu montar "Manon", e só dei de cara com a capital basca porque o Ballet Béjart calhou de fazer turnê por lá justo quando estava de passagem pela Espanha. Também intensifiquei a ponte aérea com o Rio para ver, pela primeira (e última) vez, Ana Botafogo no balezão "Onegin" e descobrir o jeito de Márcia Jaqueline dançar em "Coppelia".

Ok, há um pouco de capricho em tudo isso. Mas a questão é que cada novo teatro guarda uma história e cada companhia, uma visão de mundo e de encarar a arte que ganha uma dimensão completamente outra quando conferida "em casa".

O fato é que, hoje em dia, praticamente todas as minhas viagens de lazer se organizam em torno disso. Penso sempre em um destino, uma companhia e vou atrás das possíveis temporadas (não necessariamente nessa ordem). A verdade é que só compro a passagem depois de já ter os ingressos garantidos.

Escrevo tudo isso um tanto sob o efeito da euforia. Acabei de passar o cartão para uma pequena parte da "spring season" do NYCB, o fruto de Balanchine. São cinco programas distintos, um dia após o outro, com direito a um mix de obras de novos coreógrafos e de clássicos. Pra completar, estou no aguardo do início das vendas para outros dois programas do ABT. No meio tempo, rastreio mais possibilidades nas adjacências...

Mais do que dinheiro, tudo isso exige mesmo é planejamento. E planejar, no caso de viagens, representa uns 50% da graça de tudo.

Enquanto a viagem não chega, vou esquentando em nível nacional. Próximo fim de semana é hora de voltar ao Rio para a histórica gala do Royal Opera House por lá. Afinal, a caça a balés é um hobby sem fim.