Cena de "GEN", de Cassilene Abranches | Crédito: Divulgação |
Concebido em 2012, o Ateliê de Coreógrafos Brasileiros da São Paulo Companhia de Dança (SPCD) convoca criadores de diversas partes do país para conversar com seu elenco. Este ano foram dois convidados: a paulista radicada em Minas Gerais Cassilene Abranches e o carioca radicado em São Paulo Rafael Gomes. Ambos têm algo em comum: após anos na pele de intérpretes - ela no Grupo Corpo, ele na Cia de Dança Deborah Colker e na própria SPCD -, os dois estão começando agora a experimentar o gosto da coreografia. O resultado foi apresentado no Teatro Sérgio Cardoso, em São Paulo, entre os dias 13 e 16 de novembro.
Em vez de negar sua origem, Cassilene a coloca em evidência desde o título de "GEN". É com a ideia de rito de passagem e mudança que ela se aproximou da criação do novo trabalho da São Paulo Companhia de Dança. Há ali muito do Grupo Corpo, evidenciado, principalmente, no modo como os bailarinos se deslocam pelo palco, no peso com que executam saltos e na circularidade na concepção dos movimentos. Há, porém, uma musicalidade diferente, ainda extremamente melódica, mas influenciada pela rítmica do rock com a qual Marcelo Jeneci preparou a trilha. E esse elemento, por si só, já transforma tudo e joga para longe a sensação de se estar vendo algo genérico. Cassi faz um uso inteligente do espaço do palco e demonstra perspicácia na condução dramatúrgica, com um equilíbrio de conjuntos com solos, duos e quartetos, todos bem delineados pela iluminação de Gabriel Pederneiras, em uma obra que, no entanto, ainda precisa ser azeitada com bons ensaios para alcançar mais fluidez poética e dirimir falhas simples de execução.
Já "Bingo!" é a melhor coisa que poderia ter acontecido à SPCD neste momento em que começa a encontrar sua voz, alinhada a trabalhos que fundem precisão e agilidade com lirismo. É uma peça ruidosa, por vezes poluída e cheia de excessos, mas com uma energia completamente singular em relação às demais obras já dançadas pelo grupo. O que há de mais precioso na criação de Rafael Gomes é justamente levar para o palco essa força tão inerente à vida - palpável e real - e que raramente chega assim tão pura e crua à cena devido aos vários filtros que se instalam durante o processo coreográfico.
Rafael Gomes à frente do elenco de "Bingo!" | Crédito: Silvia Machado/Divulgação |
Colocar um dançarino da companhia para criar para (e com) os colegas é um risco e uma aposta pelo peso da responsabilidade, mas talvez tenha sido justamente o fato de estar tão embrenhado nesse organismo e entender o funcionamento dele que o fez se sentir livre para transgredir de certa maneira. Em vez de apequenar-se, Gomes dá uma resposta cênica muito concreta de alguém da sua geração para o tempo que vive.
Há humor, com movimentos quase de brincadeiras infantis. Há ironia, com óculos escuros que geram "carões" à la SPFW. Há violência, com duos no limite da misoginia em que homens jogam mulheres em pegadas que ora projetam energia para fora e ora para dentro dos corpos dos bailarinos. E há a formação de um vocabulário coreográfico duro e seco que se repete alternadamente durante a obra.
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