segunda-feira, 4 de março de 2013

Tão bonitinho por fora, mas por dentro...

Que pena que a reforma do Municipal não restaurou o repeito do público... 
Aviso: o desabafo que você está prestes a ler oscila numa tênue linha entre a ode ao respeito e a chatice de galocha.

A partir de hoje, vou pensar cinco vezes antes de sair de São Paulo para ver algo no Theatro Municipal do Rio. Porque é simplesmente inadmissível querer assistir a um espetáculo de quem você valoriza e honra ao lado de quem não se importa de forma alguma com quem está ao lado e, muito menos, com o artista que está à frente.

No último sábado, durante a Gala Royal Opera House, fiquei ensanduichada entre espécimes que exemplificam bem isso. Do lado esquerdo, uma dupla de senhoras de cabeça branca, aparentemente na casa dos 80 anos, não parava de falar durante as aberturas de atos, com peças de Wagner e Verdi. Do lado direito, um senhor permaneceu o espetáculo inteiro com a luz do celular ligada para acompanhar a "evolução" do espetáculo lendo o programa. No intervalo, percebi que a esposa deste acompanhava a transmissão da novela das 21h, por um tablet, com closed caption.

Ainda neste intervalo, enquanto passeava no hall, um jovem senhor com sotaque estrangeiro perguntou a um dos lanterninhas se não seria possível dar um puxão de orelha no público, pelo sistema de locução, censurando o falatório geral. O funcionário nem cogitou a hipótese. Na volta para o segundo ato, reafirmaram apenas o de sempre: sem fotos, sem bebidas, sem comida (e, obviamente, ainda tivemos que lidar com flashes e ver gente com garrafinha de água na plateia).

Ah! Tem ainda o fato de que, tanto antes do início do espetáculo quanto neste mesmo intervalo, fui comprar o programa e descobri que ele estava esgotado. "Agora só amanhã", disse-me o segurança.

Ano passado, vendo a montagem de "Coppelia" nesta mesma casa, numa montagem do Balé do Theatro Municipal do Rio, fiquei paralisada. Diante do ti-ti-ti atrás de mim, quando os bailarinos já estavam até mesmo em cena, me virei, olhei para a garota que estava falando e fiz aquele sinal de silêncio das enfermeiras, sabe? Com o dedinho na frente dos lábios. A menina se calou imediatamente e eu retornei para ver o espetáculo achando que estaria, enfim, em paz. Daí alguém me dá um tapinha no ombro, me viro e a mãe dela brada em alto e bom som: "Não fale assim com a minha filha, não!!!"

Que reação é possível diante de uma inversão de valores como essa?

Arte é imersão. Adoro a potencialidade encerrada nas três paredes da caixa cênica e todas as trocas que permeiam a fronteira entre o palco e a plateia. Gosto de ver como um artista "funciona" diferentemente com plateia vazia e cheia, e quão maravilhoso é ver-se parte de uma obra, sair dela tocado de alguma forma, com a cabeça fervilhando de ideias, com uma poesia visual dentro de si.

Isso já não é fácil com as condições ideais de temperatura e pressão, quando a maior parte desse peso fica mesmo no ombro dos artistas e em nossos olhares de juiz. Imagine quando NADA no ambiente ao redor favorece, nem a belíssima arquitetura que envolve a cena, nem a equipe da casa que não se estrutura para imprimir um mínimo de programas capaz de atender aos espectadores.

Depois dessa noite, amanheci em São Paulo e resolvi assistir a um concerto matinal da Orquestra Sinfônica Municipal. Sala um tanto esvaziada, um programa com peças de Respighi e Rimsky-Korsakov e um jovem maestro italiano convidado sobre o qual nunca tinha ouvido falar até então.

Houve falhas? No meu ouvido de leiga, um pouquinho, sim. Um desafino no violino aqui, um oboé brevemente mais abafado do que o usual acolá. Mas o resultado conseguiu me emocionar de um jeito que a plateia lotada do sábado não me deixou nem tentar alcançar. E o melhor mesmo foi sentir, na hora dos aplausos, que a minha sensação parecia ser a mesma daqueles que aceitaram dividir, durante hora e meia, aquele espaço ao meu lado. Com respeito e admiração (sim, é simples assim). 

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