sábado, 4 de maio de 2013

Um cometa na dança contemporânea

Escrevi o texto abaixo em setembro de 2010, horas depois de ter assistido "Political Mother", de Hofesh Schechter, pela primeira vez, durante a Bienal de Dança de Lyon. Quando soube que a peça estaria no Festival O Boticário na Dança, fiquei animadíssima. As lembranças que tinham era de uma peça jovem e vigorosa, capaz de atingir facilmente a uma plateia leiga, mas sem ser puramente comercial ou cheia de concessões. Uma peça superurbana, com a cara de São Paulo e do público daqui. Pela reação que vi na noite de ontem, parece que ela "bateu". Na minha revisão, no entanto, encontrei alguns poréns. Pensei em reescrever, mas acho que a essência do texto - escrito originalmente para a Folha de S.Paulo, mas nunca publicado - se mantém. Por isso, aqui vai.



Ditadura, semitismo, ritual, massa e pop rock são palavras que se aglomeram em torno do trabalho mais recente do coreógrafo israelense Hofesh Shechter. “Political Mother”, que foi apresentado no último fim de semana na 14ª Bienal de Dança de Lyon, é uma bomba de informações sobre a condição política do homem contemporâneo.
Estabelecendo uma ponte direta entre passado e presente, o trabalho tem arrastado comentários positivos tanto de público quanto de crítica.
A hecatombe provocada por Shechter é anunciada antes mesmo do início da peça. Na entrada da sala, recebe-se um par de tampões de ouvido: prenúncio de que o que viria faria muito, muito barulho.
A trilha, composta com participação do coreógrafo, é posta no volume máximo. Nela, uma música de base, parecida com as tradicionais judaicas, é sobreposta por marchas militares e rock and roll tocados ao vivo, com músicos no próprio palco.
Ao fundo, dois bailarinos se alternam ora no papel de líder de banda rock, ora no de um ditador aos moldes de Adolf Hitler. Enquanto isso, outros tantos tomam o palco numa dança frenética, com movimentos propositalmente cheios de afetações.
A cenografia é carregada, predominantemente escura, coberta de fumaça, com raras aberturas de luz. Todos esses elementos contribuem para uma rica experiência auditiva e visual que empurra inevitavelmente o público para dentro da cena, criando uma atmosfera cativante, principalmente para os mais jovens.
Shechter se aproveita dessa captura para propor uma reflexão sobre a dificuldade da coexistência e os riscos da intransigência política e cultural, num ritmo quem mantém uma tensão de arrepiar.
É um espetáculo por vezes excessivo, que talvez ganhasse mais força caso melhor editado. Mas o saldo é positivo e impressionou o público lionês após uma estreia de sucesso, em maio, na Inglaterra.
Apesar de ter nascido em Jerusalém e ter integrado a tradicional companhia Batsheva, o coreógrafo reside em Londres desde 2002, onde trabalha com o grupo que leva seu nome. “Uprising”, criada em 2006, é o marco que o fez ser apontado como novo “cometa” da dança contemporânea.

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