Cartaz das ações do Festival | Crédito: Reprodução |
A segunda edição do evento, iniciado no ano passado como parte de uma
nova plataforma de marketing da maior empresa de cosméticos do país, trouxe
dessa vez quatro companhias estrangeiras e uma brasileira. Passado o oba-oba em
torno do festival, mais turbinado de cobertura social do que artística, a
sensação é de que faltou o que poderia se chamar de uma grande novidade, um
trabalho inovador, propositivo e até incômodo dentro do universo da dança
contemporânea.
Veja bem: a qualidade do que foi apresentado não está em questão. Todas
as produções mereciam a amplitude daquele palco e a casa lotada que tiveram. A
opção de trazer espetáculos de grande porte também é louvável já
que é raro ver em um curto espaço de tempo uma série de trabalhos
internacionais desse tipo por dificuldades logísticas e financeiras. Devido à natureza da empresa patrocinadora, convencionou-se desde o ano passado que os curadores Sheyla Costa e Dieter Jaenicke teriam como norte a escolha de trabalhos que traduzissem "beleza em movimento". O que ficou claro agora é que, no fundo, isso não diz nada enquanto eixo curatorial. A seleção das obras foi apenas “ok”, sem uma articulação clara umas com as outras - algo que se espera de um Festival.
O maior problema em relação a isso é que há dinheiro público demais
envolvido no empreendimento para que elementos como esses não sejam
lembrados numa avaliação. Não torço o nariz para o fato de a dança, eterna “prima pobre das
artes”, tenha um momento ostentação, com dinheiro e luxo para realizar suas
ações com conforto e a mesma produção refinada dos grandes festivais de rock. Vivemos na era da imagem, e acho
que o investimento em publicidade e a manutenção do preço popular dos
ingressos, a R$ 20, até tem seu papel na conquista de novos públicos no mundo
de hoje, principalmente os mais preconceituosos com a dança contemporânea,
desde que seja constante, ao longo de todo o ano. O que me incomoda em todo
esse auê, na verdade, é a falta de legado real de um projeto comandado
basicamente por um departamento de marketing. A despeito de todo o programa que
o Boticário empreende em relação à dança, o que ficaria de herança para essa
linguagem no Brasil se o Festival se extinguisse hoje, num mundo em que a
informação circula bem mais facilmente do que naquele em que o Carlton Dance
foi um estouro, nos anos 1980 e 1990?
Acredito que ele já ajudaria bastante se fizesse o espectador neófito aprender
não ser possível entrar na sala de espetáculos depois de o espetáculo começar. Só
que não. O vai e vem de gente em busca de lugares marcados foi constante
em todos os dias até 20 minutos depois de iniciados os trabalhos – um desrespeito
para quem chegou na hora e, mais ainda, para os artistas (ou vocês acham que
eles não percebem essa movimentação de cima do palco?). O forte viés midiático
do evento também é um problema em certa medida. Nunca pensei que reclamaria de
uma cobertura ostensiva de imprensa para a dança, mas, neste caso, ela também
incomodou, com um batalhão de fotógrafos quebrando climas e imersões nas obras
ao fazerem “clique, clique” em momentos sensíveis dos trabalhos, com as telinhas
de LCD de seus equipamentos emitindo brilho e desviando o foco do palco.
Há ainda lacunas no caráter formativo. Com a enorme estrutura da qual o Festival dispõe, é risível que não promova cursos verdadeiramente substanciais com os artistas convidados. Workshops de 1h30, como os realizados agora e no ano passado, são apenas um fingimento de que algo está sendo deixado para os artistas locais. Até o Festival de Joinville, voltado para escolas, já percebeu isso e há mais de 15 anos tem uma programação de cursos de pelo menos uma semana de duração.
Por ser um festival jovem, com recursos e dispor ainda de uma forte vontade de realização por parte da empresa patrocinadora, O Boticário na Dança tem tudo para rever suas ações, evitar calcificar vícios e realmente imprimir sua marca no cenário dessa linguagem no país. Basta querer.
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