sábado, 4 de maio de 2013

"É muito caótico fazer dança", diz Hofesh Schechter

O israelense Hofesh Schechter era um cara dividido entre a música e a dança até resolver unir as duas paixões no início dos anos 2000 com a fundação de sua própria companhia, sediada em Londres. "Political Mother" é a síntese da fusão feita pelo coreógrafo entre essas duas linguagens. Criado em 2010, o espetáculo foi atração de ontem da edição paulistana do Festival O Boticário na Dança. Nele, dança e rock and roll ao vivo se unem para criar um manifesto jovem e poderoso sobre a condição de opressão sob a qual está submetido o homem contemporâneo. Fruto da aclamada companhia israelense Batsheva, Schechter toma emprestados elementos da dança folclórica para criar uma movimentação original e contagiante. Segue abaixo a íntegra da entrevista que fiz com ele, publicada ontem no jornal Metro.


Você já esteve na Batsheva Dance Company e também teve uma banda de rock. Você poderia falar da relação entre dança e música em seu trabalho?
Comecei na arte como pianista, quando tinha 6 anos. Meu ponto de partida foi esse: ouvir muitos discos de música clássica. Descobri a dança quando tinha uns 12 anos, por meio da dança folclórica, e o que mais gostei dela foi o aspecto coletivo. Com o piano, eu praticava tudo sozinho. Na dança, eu poderia estar com outras pessoas. Foi meio desafiador, mas também interessante fazê-lo. Quando entrei na Academia, em Jerusalém, escolhi entrar no departamento de dança pelo mesmo motivo. Preferia estar com outros do que sozinho numa sala. E daí entrei na Batsheva. Fiquei alguns anos e foi uma experiência incrível, aprendi muito, mas também sentia que meu coração estava um pouco dividido. Eu realmente queria dançar, mas sentia que o lado musical da minha vida estava dormente e que sentia falta dele. Eu realmente queria me reconectar com esse aspecto. Daí saí do Batsheva. Não sabia bem o que fazer, então comecei a tocar bateria. Meio por acaso, cheguei a Londres e toquei em uma banda de rock, mas ela acabou se desfazendo por falta de grana. Então me vi tendo que dançar de novo em uma companhia. Mas depois de dois anos na cidade, decidi que queria fazer meu próprio trabalho. Foi a primeira vez que me senti pleno, por poder fazer tanto música quanto dança, e fazer esses dois mundos ficarem juntos de uma maneira completamente harmônica. Tive um prazer imenso de poder criar todo o trabalho: a música, a cenografia, a coreografia. É muito difícil, mas há algo de muito satisfatório nisso tudo, algo de muito excitante.


Seu trabalho não parece funcionar bem no vídeo.
Acho que o público tem um grande papel no espetáculo. Talvez ele esteja ciente do fato de que ter outras mil pessoas também testemunhando aquilo qe está acontecendo no espaço é parte do que o torna poderoso. Há algo sobre o espetáculo, o poder da música ao vivo. Algo em que realmente penso quando faço um trabalho é criar algo para ser mostrado, algo parecido com uma grande cerimônia. Sem as pessoas, ele perde a força. Acho que há algo na peça que talvez as faça não se sentirem apenas como espectadores, mas parte daquilo. E talvez você não se sinta assim se a vir em um DVD.


Uma das apresentações de "Political Mother" teve parte das poltronas retiradas para que o público pudesse ficar de pé. Foi ideia sua?
Foi algo que imaginei depois de muita gente me dizer que gostaria de se mexer, que se sentiu preso à cadeira ao ver meu trabalho. Pensamos nisso e encontramos a ideia de fazer o público se levantar se quisesse, como em um show de rock. Fizemos isso em "Political Mother – The Choreographer's Cut", que tem 25 músicos no palco. Então, na verdade, é mesmo um grande show de rock. A diferença é incrível, porque as pessoas se sentem muito mais livres para responder ao trabalho quando estão de pé. Elas gritam e é incrível, eu realmente gosto. Você vê as pessoas deixando a música e a dança se apoderar do corpo delas. E isso também quebra um pouco as regras do teatro.


Você sente que "Political Mother" é a consolidação de sua obra?
Não sei. Não vejo as coisas desse modo. Acho que ser um artista é algo muito frágil. Confiança não é algo com o qual eu me sinta confortável. O trabalho em dança – a coreografia – é muito temporário. Você faz algo, está logo no palco, tem a perfomance, que vai e vem. Então, é difícil para mim ter o sentimento de uma conquista. É muito caótico fazer dança. Não é como escrever um livro. Posso ver um progresso e ter a noção de que meu trabalho se torna mais complexo. Ele se transforma lentamente, mas toma ângulos diferentes. Sempre faço trabalhos sobre o que eu sou, sobre o ponto em que estou na vida.


Que questões o preocupavam enquanto concebia "Political Mother"?
Acho que o principal elemento foi fazer realidade diferentes se chocarem umas com as outras. Cada um desses mundos representa parte da nossa vida ou das energias que existem no mundo. Então eu senti que seria interessante colocá-los próximos um ao outro, quase como em um filme, e criar uma resposta emocional a partir daí. Acho que as primeiras são frustração e raiva. Outra, que vêm depois, é aceitação. Pensei muito e percebi que vivemos em um mundo maluco! Tentei trazer questões sobre controle, perseguição, opressão e a confusão entre escolher seguir algo e acabar sendo escravo desse algo. Em suma, é um trabalho sobre a política de nosso mundo e como sobrevivemos à opressão.


Por que criar um "Choreographer's Cut"?
Foi uma pequena piada. Óbvio que quando fiz o primeiro trabalho, fiz o que realmente queria, mas com "Choreographer's Cut" eu tive mais liberdade. Recebi um apoio para fazer o que eu quisesse, com o dinheiro que precisasse. Isso me deu liberdade para criar uma verdadeira celebração. Não senti que mudei o coração da peça, que é uma massa de gente, e ela acabou ainda mais poderosa. É barulhento, grande e arrebatador.

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