terça-feira, 16 de julho de 2013

Enfim, maduros

Nielson Souza e Morgana Cappellari em
"Peekaboo". Crédito: Marcela Benvegnu 
Quando a São Paulo Companhia de Dança foi criada, em 2008, seu corpo de baile era formado basicamente pela nata de algumas das melhores escolas de balé clássico espalhadas pelo país. Essa escolha entrava em choque com o estilo de trabalho buscado desde então, voltado, em sua maior parte, a peças modernas e contemporâneas.

Passados cinco anos, essa equação se inverteu. Em sua primeira temporada de estreias de 2013, o grupo demonstrou ter conquistado definitivamente maturidade para defender as obras que ostenta em seu repertório.    

O que se viu ao longo de três semanas de junho no teatro Sérgio Cardoso foram bailarinos que chegaram profissionalmente crus à companhia, com pouco ou nenhum histórico de trabalho anterior, e que tomaram, enfim, ciência de suas possibilidades. Mais importante: cresceram juntos, fazendo com que esse legado não seja apenas individual, mas de todo o grupo, que começa a forjar assim uma identidade e uma assinatura a despeito da grande renovação de profissionais típica desse campo de trabalho.

Com isso, nomes como Fabiana Ikehara, Morgana Cappellari e Yoshi Suzuki ajudaram a fazer com que o repertório contemporâneo da companhia subisse degraus em densidade e camadas de leitura. O trânsito nessa área ficou tão mais familiar que foi o balé que sobrou na jogada: nunca o grupo falhou tanto quanto dessa vez em “Theme and Variations”, peça de verve extremamente clássica de George Balanchine (1984-1983).

Outra observação é que, a despeito dessa maturidade conquistada, o elenco precisa olhar com mais cuidado para suas peças mais antigas e trabalhar, principalmente, a sincronia, como em “Bachiana no 1” (2012), de Rodrigo Pederneiras, que carece de uniformização nas intenções dos movimentos entre todos do conjunto – algo já visto antes e que, aparentemente, se perdeu no meio do caminho.
Das três estreias da temporada – todas contemporâneas –, duas delas partiram de coreógrafos com os quais os bailarinos já haviam tido contato, o que possibilitou um aprofundamento em torno de suas linguagens.

A remontagem de “Por Vos Muero” (1996), de Nacho Duato, peca por carregar certo cheiro de mofo na cenografia e no figurino. Sua movimentação, no entanto, sabe fazer um diálogo importante com a passionalidade da trilha, baseada em música antiga espanhola, e acaba bem defendida pela trupe. O desempenho não surpreende de todo, já que uma das remontagens mais bem resolvidas da companhia até então havia sido justamente a de “Gnawa” (2005), também de Duato.

Apesar disso, a mencionada maturidade do grupo fica mesmo evidente na inédita “Peekaboo”, de Marco Goecke. O grupo, que já havia lidado com o vocabulário de movimentos muito específico do coreógrafo alemão na remontagem de “Supernova”, em 2010, pôde agora mergulhar ainda mais na linguagem dele nesta criação original para a SPCD. Embalada pela “Simple Symphony”, de Benjamin Britten (1913-1976), “Peekaboo” é mais densa que “Supernova” e só funciona a partir de um exaustivo trabalho de precisão e refinamento dos gestos frenéticos e ágeis propostos por Goecke.

Inspirada pela brincadeira de esconder e aparecer típica das crianças, a peça faz uso inteligente da trilha de Britten, composta por ele ainda na infância, e tem seu momento mais belo justamente no ponto menos “goeckiano”, em que a respiração intencionalmente ofegante dos bailarinos quase sufoca a trilha enquanto eles estão parados no mesmo lugar, movimentando apenas os braços, sob uma penumbra, evocando o desalento da solidão de quem ainda não foi “achado” na brincadeira.

Diante desse resultado, a primeira parceria da SPCD com Luiz Fernando Bongiovanni, “Utopia ou o Lugar que Não Existe”, acabou ofuscada por certa falta de ousadia da parte do coreógrafo, segundo o qual a utopia na dança está no “belo”. Em busca do que supõe ser essa qualidade, ele propõe uma movimentação que não desafia o elenco em nada e segue uma dramaturgia que se escora basicamente em figurino (preto e branco) e cenografia (com diferentes mapas de cores e um piano ao fundo de onde era executada a trilha de Camargo Guarnieri [1907-1993]), esvaziando a tentativa de se levantar alguma questão sobre uma possibilidade de se construir esse tal “lugar que não existe”.

Para completar, a peça estreou justamente na semana em que o Brasil foi varrido por ondas de protesto. Se por um lado Bongiovanni teve a sorte de “sacar” um certo desalento que se traduziu nas tais manifestações, ele não teve tempo de responder coreograficamente aos debates surgidos a partir delas sobre ideologia e ativismo. Com isso, sua visão bela (porém entristecida) da utopia acabou descolada da realidade por um timing ruim, o que é uma pena.

Fabiana Ikehara e Nielson Souza em "Por Vos Muero". Crédito: Silvia Machado

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