Falar de mobilização para quem faz arte, considerando a situação atual em que vivemos, nos leva a refletir que fazer política é algo muito difícil, mas infelizmente cada vez mais necessário
Andréa Bardawil
O evento ''I Festival de Dança Litoral Oeste'' marca mais um momento singular na trajetória da mobilização e do desenvolvimento da dança cearense. Além das outras importantes iniciativas acontecidas nos últimos anos em Fortaleza, é interessante citarmos a participação dos profissionais do Estado no processo de mobilização nacional, sobretudo na Câmara Setorial de Dança, ajudando a decidir os rumos de uma política cultural efetiva para a dança no Brasil.
Tal processo de mobilização reforça que uma política cultural efetiva não se consolida em poucos anos, nem muito menos com iniciativas espaçadas e pontuais. Deixa claro também que a consistência e continuidade das iniciativas de qualquer gestão pública dependem fundamentalmente da participação ativa e ininterrupta das instâncias representativas dos diversos interesses fomentados, sejam eles delimitados por instituições, linguagens, grupos ou artistas.
A complexidade da área da gestão cultural - espaço de atuação recente, que nos cobra, a todos, o aprendizado de novas funções - parece nos exigir a cada dia referenciais mais alargados. Teoria e prática chocam-se constantemente, nos desafiando numa velocidade vertiginosa - que é radicalmente oposta à velocidade arrastada da máquina pública - a criar novas condições de possibilidade que, não raro, acabam no vácuo.
Falar de mobilização para quem faz arte, considerando a situação atual em que vivemos, nos leva a refletir que fazer política é algo muito difícil, mas infelizmente cada vez mais necessário. Ocupar espaços, definir recursos, interferir nas leis, conquistar garantias, tudo isso é fazer política.
Fazer arte, por sua vez, deveria ser habitar o espaço mesmo da invenção, da reconfiguração do mundo, da elaboração de outros territórios do sensível e do possível. Arte e política, muitas vezes, em meio a tanta inversão de valores, parecem se opor. Não deveriam. Pois que tudo não se trata de investirmos em melhores formas de estarmos no mundo?
A questão que se faz problema para mim, no meio de tantas, é como continuar fazendo política e não deixar de fazer arte. Tal questão ganha novas nuances, quando me defronto com iniciativas silenciosamente gestadas ao longo de anos, graças ao idealismo e a persistência quase romântica de alguns, na maior parte do tempo longe dos holofotes oficiais. É o que vem acontecendo já há alguns anos na Região do Vale do Curu, e hoje culmina neste Festival.
Lembro agora de Ítalo Calvino, que nos conta que ''tudo aquilo que escolhemos e apreciamos pela leveza acaba bem cedo se revelando de um peso insustentável. Apenas, talvez a vivacidade e a mobilidade da inteligência escapam à condenação''.
No habitar entre a política e a arte, como escapar? Ou melhor: como abrir espaço para o que escapa de tudo o que já está capturado e atrofiado, territórios, possíveis e valores? Há entre a política e a arte um espaço possível de ser habitado, reconfigurado, reinventado, um espaço não paralisado, onde caiba o movimento? Podemos criá-lo? Como respirar, sem no entanto deixarmos de nos mover, onde se faça necessário? Importante nos provocarmos tais questões.
Para que possamos acreditar num Deus que saiba dançar, como Nietzsche gostaria.
ANDRÉA BARDAWIL é coreógrafa
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