quinta-feira, 6 de abril de 2006



Como dissolver as arestas de um quadrado

Em Coreografismos, a carioca Staccato Cia. de Dança se propõe a explorar os limites do corpo que dança e surpreende ao organizar, a partir de pouco, um inventário de movimentos muito mais complexo do que se poderia imaginar


Até onde nosso corpo pode chegar? Naturalmente limitado pela sua determinação física, ele tende a conformar suas possibilidades nos movimentos do cotidiano. Mas, para algumas pessoas, ele exige mais; quer ver o que acontece consigo próprio se conseguir ir além. Na obra Coreografismos, apresentada no último fim-de-semana no teatro do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, a Staccato Cia. de Dança se propõe exatamente a isso. Nela, cinco bailarinos do grupo carioca têm o espaço de um quadrado projetado no chão para experimentarem o máximo de possibilidades de movimentos buscando preenchê-lo totalmente. Nesse processo, surpreende o fato de eles conseguirem desenvolver os gestos a um ponto tal em que o espaço cênico deixa de ser o quadrado em questão para se tornar os próprios corpos deles.

Tudo se torna ainda mais atraente quando os bailarinos começam a interagir, experimentando as possibilidades de uma nova limitação: além do que já foi feito sobre o espaço definido, quantas novas combinações de movimento podem ser criadas quando dois ou três corpos se unem apenas por uma das mãos? O resultado explode qualquer baixa expectativa. A partir daí, por mais que se tente, não há como pensar que há verdadeiramente elementos delimitando a ação. A riqueza gestual parece infinita e cresce aos olhos do espectador, instigando-o a investigar os seus próprios limites.

Na coreografia, a descoberta de que o corpo consegue superar a sua determinação física se dá pouco a pouco, captaneada pelo esforço dos bailarinos em conseguir uma boa qualidade do fluxo de movimento. A concentração deles em cada pequeno gesto encadeado é tanta que parece impossível não ser magnetizado por aquilo. Tanto é que se torna difícil refazer na mente os caminhos do corpo cênico até uma determinada configuração.

Assim como em Outro Tango, criada em 2002 em parceria com os launos Colégio de Dança do Ceará, o coreógrafo Paulo Caldas escolhe uma trilha encabeçada por instrumentos de cordas. Talvez porque o som contínuo do violino inspire o fluxo constante de movimentos desejado, sejam eles lentos ou ágeis. Vale lembrar que o princípio norteador desses gestos está baseado na circularidade, uma das marcas mais expressivas do trabalho de Caldas.

Tanto na obra de 2002 quanto em Coreografismos, fica claro que esses dois elementos – o fluxo contínuo e a circularidade – são intrínsecos à existência um do outro. O coreógrafo os utiliza como ponte para alcançar uma verdadeira liberdade do corpo, que flui com muito mais naturalidade no desenrolar de movimentos circulares e continuados do que em gestos fragmentados. Para ele, a quebra da fluidez parece quebrar também qualquer real intenção de levar um corpo além do seu cotidiano.

Coreografismos estreou no Rio de Janeiro em 2004 e foi apontado como um dos melhores espetáculos de dança desse ano pelo jornal O Globo. O sucesso do trabalho de Paulo Caldas já despontava desde antes. Em 2001, a conceituada revista alemã Ballet International Tanz Aktuell o aclamou como um “notável jovem coreógrafo”, o que o levou a se apresentar, no ano seguinte, na Bienal de Dança de Lyon, na França. A apresentação da coreografia no Dragão do Mar fez parte da quarta e última etapa do projeto Centro em Movimento, que trouxe a Fortaleza outros nomes expoentes da dança contemporânea nacional.

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