quarta-feira, 5 de abril de 2006

Entrevista com Alicia Alonso

A mais novas edição da Revista BRAVO! traz uma entrevista exclusiva com a cubana Alicia Alonso, grande dama do balé internacional. No final de abril, ela chega ao Brasil com a sua companhia, o Balé Nacional de Cuba, para iniciar a série de apresentações que configuram a turnê do grupo pelo país. Vale a pena conferir o que essa mestra tão experiente tem a dizer! A última frase da entrevista é marcante; eu não poderia concordar mais...

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http://www.bravoonline.com.br/noticias.php?id=1854

TEATRO E DANÇA
A MESTRA DOS PALCOS
Leia a íntegra da entrevista com a diretora artística do Balé Nacional de Cuba, Alicia Alonso

Por Fabiana Acosta Antunes

O Balé Nacional de Cuba inicia em São Paulo a turnê brasileira de A Magia da Dança, com cenas de obras do repertório clássico e romântico do balé, coreografadas por Alicia Alonso, de 85 anos, uma das grandes artistas da história da dança. Apesar dos problemas de visão e locomoção, Alicia continua dirigindo a companhia, que fundou em 1948. Ela falou com exclusividade a BRAVO!.


BRAVO!: A senhora criou um método próprio de ensino do balé, que deu origem a um modo cubano de dançar o repertório clássico. Em que consiste?
Alicia Alonso: Você se refere à escola cubana de balé, que não é somente uma metodologia no ensino e no treinamento dos bailarinos, mas uma projeção cênica e uma maneira de usar a técnica e de interpretar os estilos própria dos bailarinos cubanos. Baseia-se na técnica clássica em sua expressão mais pura, aplicada ao físico e à estética dos cubanos.

O florescimento do Balé Nacional de Cuba se deu com sua estatização por Fidel Castro, em 1959. A aliança do governo cubano com a então União Soviética permitiu colaborações de mestres do Bolshoi e do Kirov. Em que esse intercâmbio foi determinante para o Balé Nacional de Cuba?

Este é um erro freqüente de quem não conhece bem a história do balé em nosso país. Fundei o Balé Nacional de Cuba em 1948 (então com o nome de Ballet Alicia Alonso), e a Escuela Nacional de Ballet Alicia Alonso, em 1950. O balé em Cuba surgiu, deu seus primeiros passos e alcançou prestígio sem ligação nenhuma com os soviéticos. Pessoalmente, me formei em Cuba e nos Estados Unidos com mestres da antiga escola russa, da escola italiana e com relações próximas com as escolas inglesa e dinamarquesa. Dancei pela primeira vez nos grandes teatros soviéticos em 1957, quando já era uma figura da dança internacional. Desde o começo, para o desenvolvimento do balé em nosso país, tratamos de buscar um caminho próprio, mas dentro da grande tradição. Recebemos total apoio do governo revolucionário (a partir de 1959) e isso sim foi determinante para um maior crescimento do Balé de Cuba. Isso não exclui, desde cedo, nossas magníficas relações com o balé russo, os intercâmbios mútuos — enriquecedores para ambos — e a grande amizade que tivemos e ainda temos com grandes artistas daquele país.

Como mestra de várias gerações, que diferenças a senhora vê entre os bailarinos do início do Balé Nacional de Cuba e o elenco atual?

A técnica avançou muito. Ao contrário do que às vezes se crê, o balé é uma arte que evolui, pois a força teatral se adapta às épocas. Os bailarinos agora têm mais virtuosismo e, por isso, cuidamos para que não percam a expressão.

Há bailarinos que se destacam como grandes intérpretes, porém, não chegam a coreografar. A partir de quando a senhora sentiu necessidade de atuar como coreógrafa?

Desde muito cedo me senti atraída pela composição coreográfica, posso dizer que desde que era aluna em uma escola de balé. No início de minha carreira como bailarina já estreei várias coreografias próprias e esta atividade me acompanhou sempre. Quando deixei de dançar, minha criação coreográfica se intensificou, pois pude concentrar-me mais no aspecto do trabalho artístico.

Em sua trajetória como intérprete, há algum papel que a marcou mais?

Dentro do repertório clássico, Giselle é sem dúvida uma obra próxima de minha pessoa. Mas isso não tira a importância de outros grandes personagens que também interpretei como Odette-Odile, no Lago dos Cisnes; Swanilda, de Coppélia; Lisette, de La Fille Mal Gardée, e tantos outros. Sem esquecer meu trabalho em outras obras criadas dentro de uma linguagem moderna, como Carmem, Jocasta, Julieta, etc.

Suas versões coreográficas dos clássicos são célebres e fazem parte do repertório de grandes companhias. Como se mantém a vitalidade dessas companhias em tempos em que a dança dialoga com outras linguagens?

Os grandes clássicos são obras mestras, que transcendem todas as épocas. São um patrimônio cultural da humanidade. Porém, temos de mantê-los frescos, o que não significa trair sua essência. Acentuar a pureza dos estilos, obter uma lógica dramatúrgica e apresentar essas peças com respeito e imaginação. Se tais princípios são respeitados, a vitalidade deste legado está garantida.

O que a inspira quando inicia a criação de uma coreografia? Há colaboração dos bailarinos ou a senhora prefere criar sem interferência direta do elenco?

Depende de cada obra. Às vezes, a fonte de inspiração é a música, outras, um personagem ou o tema. Sempre é importante a personalidade, o talento e a entrega dos bailarinos com os quais se trabalha. Eles podem ser um grande apoio e ajudar no processo criativo.

Como coreógrafa, professora e diretora artística do Balé Nacional de Cuba, qual(is) a(s) característica(s) que mais preza em um bailarino, seja ele clássico ou não?

Idoneidade física, vocação, musicalidade, talento expressivo, cultura técnica e teatral. Poderia enumerar outras características desejáveis no bailarino, porém, antes de tudo, um grande amor pela dança.

Poderia falar um pouco sobre A Magia da Dança, espetáculo apresentado nesta turnê?

A Magia da Dança é um grande espetáculo, que representa uma antologia de cenas extraídas de famosas obras do repertório clássico e romântico do balé. É a oportunidade de ver, em uma só noite, uma mostra brilhante de diferentes modalidades estilísticas, presentes no repertório clássico. Ele é todo interpretado com grande rigor por todas as estrelas da companhia e seu corpo de baile. Não é comum encontrar em um só espetáculo tal riqueza de estilos e de bailarinos importantes.

A senhora parou de dançar aos 75 anos. Sente falta do palco?

A dança é o que de mais importante aconteceu em minha vida. Sair de cena é como começar a viver em outra realidade. Porém, sigo dançando em minhas coreografias e nos jovens bailarinos aos quais transmito minhas experiências. Quando se foi bailarino, não se deixa nunca de dançar. Se você não o faz fisicamente, se expressa de outra forma: pode-se até dançar com o pensamento.

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